Ela fecha os olhos. Atravessa as nuvens que suspendem os campos e ligam o chão verde brilhante ao céu cinza claro. Não consegue distinguir nada além de forma mal delineadas. Mais uns poucos passos. O mundo se abre diferente. Ele está lá. Há quanto tempo? Não importa. Ele continua igual, os mesmos olhos castanhos e doces, a barba por fazer, os braços compridos, o sorriso enorme. Estava lá. Não podia negar. Seus olhos tinham certeza. Sua mão. Sua boca.
"O que você fez hoje?" é a pergunta de sempre, enquanto os braços a envolviam e ela podia finalmente sentir a segurança de ter chegado onde precisava chegar. Ele ouve falar dos filhos, do chefe, da mãe, das brigas entre a família. Seus dedos fortes e longos penetram no cabelo dela, desmancham os cachos, denunciam sua presença, deixa seus pelos em ponta. O sorriso de todos os dentes inquebrável e eterno. O calor de seu corpo se sente por todos os poros.
Onde ele esteve por tanto tempo? Durante alguns momentos as dúvidas do passado passeiam por sua mente. Afinal por que ele havia feito aquilo? Por que se afastara sem explicação? A angústia apertava o peito, quase sente o mundo a tragar de novo, mas logo a dúvida é espantada para longe. Ele está ali, nunca saiu de verdade. Ao seu lado. Descobrindo-a. Encantando-a. O ar gelado da janela aberta lhe percorre a espinha. Sabe que está andando sobre gelo fino. Mas seus cabelos fartos e grossos. Sua boca rosada. Seu peito macio. Não poderia arriscar. Quanto tempo teria ainda?
Aconchega-se no seu peito, seu braço a envolve com carinho e determinação. Aninha-se ainda mais. O tic-tac do relógio podia se ouvido claramente agora, mistura-se com as batidas do seu coração na boca do estômago.Ela se recusa a escutar. Pouco pode ser feito. O barulho denuncia o tempo que passou.
Um último beijo. Uma última carícia. Um último olhar. O doce dos olhos, a agressividade da barba, os braços acolhedores vão sumindo na névoa que em um momento surge de repente e o abraça para longe. A lágrima escorre pelo rosto, colando os cachos desmanchados na face desfigurada.
Abre os olhos. O mundo se fecha no habitual.
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