sexta-feira, 10 de abril de 2009

A farsa

O corpo todo treme, pode sentir o estômago parado, congelante. Há quanto tempo não sentia isso? O mundo parou por um minuto. As árvores estáticas. O vento pausado. Os pássaros paralisados em pleno voo. O coração suspenso na boca do estômago. Gostava da sensação. Gostava do medo, mas não da situação. Não o conhecia. Na realidade, ela estava começando a se conhecer agora. Seu corpo. Seus próprios toques. Seus gostos. Tudo era novo para ela. Estranho depois de tanto tempo.
Adolescente chamava a atenção mais pela empáfia do que pela beleza, apesar dos olhos, não de ressaca mas amendoados e fortes, e dos cabelos, sempre soltos secos ao vento. As calças rasgadas e as camisetas surradas. Não se preocupava com isso. Teve os seus momentos entre os 15 e 18 anos, quem não é bonito aos 18 anos? Hoje sabe que talvez tenha cometido muitos erros no passado, deveria ter olhado com mais atenção, havia um gesto, um sorriso, um abraço perdido em algum período remoto que deveriam ter sido vistos, mas ganância adolescente ocultou. Quando? Ela não sabia quem era.
Mas, agora? A vida já não havia passado? Olhos carregavam as marcas do cansaço sem perder o amendoado que os deixavam um pouco doce, o cabelo cacheado desmanchou-se sozinho com o tempo e falta de cuidado. Suas roupas envelheceram antes que ela. Seu bonde da história estava há muito perdido.
O que ele poderia ver nela? As marcas da vida que escolheu? A pose de forte que ainda carregava? Não haviam mais os cachos. Não havia mais a silhueta delicada. Não havia mais a maciez da juventude.
Ele a idolatrava, ela podia ver nos olhos dele. As palavras eram escolhidas com cuidado entre os momentos de gagueira. As mãos dele, ásperas, rudes e fortes, não sabiam onde ficar enquanto a boca tentava falar algo minimamente coerente. O cenário a deixava orgulhosa e ao mesmo tempo amedrontada.
A fantasia a deixou despida no meio da rua. A farsa não poderia continuar.
Fez o que faz de melhor.
Fugiu

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