O pé direito da sala aumenta a sensação de infinito. A porta se abrira sozinha. Será que fora o vento? Atrás ficaram o céu negro e as árvores revoltas balançando os braços. Um clarão rápido iluminou os detalhes de um quarto sobre a escada desdentada e um retrato solitário na parede sobre a poltrona. Era uma moça ou talvez um menino.Talvez devesse voltar. A casa certamente era propriedade de alguém, alguém esquecido naquele quarto.
Da porta de entrada, podia ver movimento mais acima. Um vulto ou uma cortina ou um ganho que entrou no quarto por meio de uma janela negligente. O breu do céu agora adentra a sala. O quarto desaparece na escuridão.
Dá um passo a frente. Quem sabe ainda seja possível fugir? Assumir essa história, ser aquela mulher ou ter aquela criança? Entrar no quarto, se envolver no voil da cortina e sair dançando sobre os galhos pelas nuvens de algodão negro.
Mais um passo. Ainda é possível um último olhar para o retrato. Poderia ser um homem jovem com trajes de passeio. Seria seu pai? Seu marido. O pai da criança que teve, ou teria. Eles se conheceriam naquele dia, passeando pelo campo ou pelo Jardim Botânico.
Os tacos do soalho se soltam. O próximo passo pode ser perigoso. Paralisa. O resquício de luz ilumina a poltrona sob seu retrato. Sim, era ela lá! Ou não.
Sente a aspereza do pano grosso, velho duro pela sujeira de tanto tempo. O gosto de terra invade suas narinas e nauseiam o estômago. Ele estava sentado lá, enquanto seus dedinhos fininhos desenhavam silenciosamente as figuras do tecido.
Há quanto tempo?
No fio de sombra que ainda resta, o corpo se rascunha com grãos de poeira sobre o pano verde e gasto da poltrona. Ele ainda está lá.
Mais um passo somente. Avança devagar, enquanto o corpo quer voltar. Só mais um passo. Devagar põe o pé no chão. Sabe que os tacos podem não suportar. Sabe que pode não chegar. Ela vestida de voil em meio ao algodão negro no breu que toma quase toda sala.
O rosto ainda não é visível. O coração bate na boca. Nos pés, o soalho balança ao sabor dos ventos. Precisa chegar. Só mais um passo com calma. Ainda é possível. Precisa ver. Precisa tocar.
O vento entra com força. A luz e a poeira formam um estranho e pequeno redemoinho. O chão numa gangorra infantil. Estica o braço a tempo de sentir a rigidez do tecido de repente enegrecido antes de cair na profundeza sem fim da memória.
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