O vento rosa cantava devagar, dançando com as folhas, sujando as roupas, que ela acabara de estender no varal, e pintava seus pés descalços. O céu com nuvens baunilha estava parado em um retrato. Devia ter uns 30 anos, talvez menos, talvez mais, o corpo ainda guardava a mocidade, mas, o rosto, o sol, o trabalho e a vida vincaram profundamente. Trazia o vestido cavado branco amarelado amarrado na altura das coxas. As pernas sustentavam o mundo.
Ela buscou o ar do alto em uma brisa ligeira, seca e sutilmente fria, que lhe navalhou a face, mas deu um suspiro de sossego à alma. Tinha que ir. Seu corpo não respondeu. Sabia que deveria correr. Possuía consciência de que não tinha tempo. Naquele instante, lembrou-se menina e de sua madrinha na cadeira de balanço depois do almoço na varanda "Luiza, a vida é uma estrada muito movimentada que corre para um só lado. Se paras, serás massacrada, menina! Avia!!" Assim, a menina correu, correu, correu pela vida. Mas ela será atropelada. E ela não se mexia.
As folhas secas saltavam das árvores. Esta foi a última chuva que veria. A vida perdeu-se nesse momento. As roupas bailavam com o vento e os galhos nus. Era uma orquestra com folhas, calangos e saguis. A maritaca intrometida quis participar da festa.
Luiza não conseguia respirar. O mundo equilibrado em uma corda bamba. A panela no fogo. A faca suja de legumes na pia. O ar suspenso em poeira terrosa. A risada do menino lá longe. Ela só quis respirar.
O sangue tinto manchou a cena branca. O cheiro de ferrugem lhe feriu o nariz. A louça da pia gritou por ela da janela da cozinha. Mancha de sangue é tão difícil de sair. O sol se escondeu por medo ou por vergonha. Os olhos quase vazios quase castalhos de Luiza buscaram uma resposta. O céu estava calado. A boca estava seca. Havia tanto o que fazer. A casa ainda lhe chamou mais uma vez. Os olhos de Luiza enxutos não conseguiram encontrá-la. Estavam ocos. O vermelho escorreu pelo vestido, misturou-se com a terra e a levou. Depois de todo o corpo seco, suas pernas finalmente sucumbiram.
O mundo de Luiza rolou pela terra árida daquela tarde de inverno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário